Teste
ARTÍFICE1
Antônio de Pádua BOSI*
O Artífice (The craftsman) é a primeira parte de um projeto desenvolvido por Richard Sennett (2009, p.24) que sonda as possibilidades humanas relacionadas ao trabalho, uma história do homem como seu próprio criador: “os seres humanos são hábeis criadores de um lugar para si mesmos”. A marca da erudição e do raciocínio rico e sofisticado que integra atrajetória de Sennett está presente neste livro, e por isso é difícil resenhá-lo sem amputar-lhe partes importantes, fazendo justiça ao conjunto de reflexões propostas pelo autor. Como em seus livros anteriores, O Artífice também pode ser lido e interpretado como um guia de inúmeros roteiros que nos levam através de nossas próprias experiências acerca do trabalho. Escolhi um desses caminhos, recortandopara discussão o desafio sugerido por Sennett, de sermos nós hábeis criadores. Para Sennett, isto é mais do que uma ideia; é uma constatação que ele apresenta com força de tese, inscrita, principalmente, numa tradição iluminista que tem hipotecado grande esperança nas realizações do homem, na sua capacidade de criar. Sennett mantém ativa esta esperança e a faz penetrar num vasto campo deinterlocuções. Numa de suas primeiras paradas, Sennett dialoga com Diderot. Ressalta a importância e ousadia do projeto enciclopedista na construção de uma concepção humanista que favoreceu a razão e a perícia no trabalho. É certo que o “artífice esclarecido” dos enciclopedistas esbarrava contra uma ordem social que presenteava a classe dominante com o ócio. Mas, para Sennett, a questão relevante parecereferir-se menos à desigualdade econômica e social, e mais à satisfação por um trabalho bem feito.
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Resenha do livro: SENNETT, Richard. O artífice. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2009. 360p. * UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Centro de Ciências Humanas, Educação, Letras e História. Marechal Cândido Rondon – PR – Brasil. 85904-000 – e-mail:bosi@certto.com.br Estudos de Sociologia, Araraquara, v.15, n.28, p.291-294, 2010
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Antônio de Pádua Bosi
Esse raciocínio o leva a pensar o trabalho localizado numa tradição romântica. É em John Ruskin, crítico de arte e mordaz oponente ao processo de mecanização do trabalho no século XIX, que Sennett encontra a radicalização do “artífice esclarecido”. O exercício constante como forma de aprimoramentoda perícia e do conhecimento é, na versão romântica, ameaçado de morte pela máquina. Infelizmente, este ponto é pouco explorado no livro. Sennett preferiu não aprofundar as experiências de recusa das máquinas pelas últimas gerações de artesãos e, principalmente, pela classe operária, cuja resistência às inovações tecnológicas redutoras de empregos é ainda viva na atualidade. Sua preferência é porDiderot, encarando a máquina como um “desafio verdadeiramente radical e libertador” (SENNETT, 2009, p.135). Aberta esta perspectiva, a ferramenta, qualquer que seja sua forma e densidade tecnológica, pode e deve ser tomada como um estímulo. Especialmente neste ponto, a erudição e clareza de raciocínio de Sennett tornam o livro mais instigante e útil. Explorando áreas aparentemente desencontradascomo a música, a informática, a arquitetura e o serviço público (dentre outras menos discutidas), ele problematiza a competição como medida do trabalho na atualidade. Todos nós sabemos como a pressão por produtividade contaminou o mundo do trabalho, e que a competição é um artefato cultural do capitalismo. Sennett (2009, p.44) também sabe, e rejeita este padrão societário. Não raras vezes ele põe emdúvida a eficiência de sistemas de competição e de recompensa que organizam o trabalho: “em qualquer organização, os indivíduos ou equipes que entram em competição e são recompensados por se sair melhor que os outros haverão sempre de entesourar informações”. Para evitar isto, Sennett considera a cooperação uma forma mais dinâmica e eficaz de realização do trabalho, como no caso da construção e...
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